Aterros sanitários como fonte de alimento para cegonhas: uma oportunidade ou uma ameaça?

A alimentação em aterros sanitários mudou a dieta da cegonha-branca (Ciconia ciconia), expondo a espécie a novas ameaças, como a ingestão de materiais inorgânicos e o cleptoparasitismo por milhafres.

Os aterros sanitários são locais destinados à decomposição de resíduos sólidos gerados pela atividade humana. São fontes de alimento importantes e muito utilizadas por várias espécies de aves oportunistas como cegonhas, gaivotas, rapinas e corvídeos. Uma vez que as aves se juntam em grandes números para se alimentarem, existe uma elevada probabilidade de ocorrer cleptoparasitismo nos aterros.

Cleptoparasitismo significa “parasitismo por roubo”, e aplica-se quando um animal leva o alimento capturado por outra espécie.

Foto © Rui Lourenço

As populações de cegonha-branca da Europa Ocidental sofreram um declínio contínuo no século XX, mas na Península Ibérica este declínio foi revertido nos últimos 30 anos, em parte devido ao aumento da disponibilidade de alimento em aterros sanitários. A cegonha-branca é uma espécie oportunista que se alimenta de minhocas, insetos, peixes, anfíbios e pequenos mamíferos, e é uma ave que claramente beneficia dos recursos alimentares facultados pelos aterros sanitários. No entanto, a alimentação em aterros também envolve riscos relacionados com agentes patogénicos, produtos químicos e lesões decorrentes do consumo acidental de materiais não digeríveis, como vidro, plástico e metal, bem como da exposição ao cleptoparasitismo.

Analisámos 182 regurgitações recolhidas em 2005 e 2010 em colónias afastadas do aterro sanitário, e em colónias próximas do aterro em 2010. Adicionalmente, observámos as cegonhas a alimentarem-se no aterro durante 47 horas. Os conteúdos das regurgitações foram principalmente insetos e materiais inorgânicos não identificados. As análises de variância efetuadas revelaram diferenças locais, sazonais e anuais significativas em Coleoptera, Orthoptera, Hymenoptera e no número total de insetos. As observações efetuadas no aterro sanitário mostraram que as cegonhas se alimentam de grandes quantidades de material orgânico, principalmente carne fresca e peixe, o que significa que os dados observacionais diferem dos dados das regurgitações. Os milhafres-pretos (Milvus migrans) cleptoparasitam as cegonhas principalmente no início e no final da manhã, limitando a ingestão de alimentos e aumentando o tempo que as cegonhas passam no aterro.

A biodiversidade enfrenta um declínio global a uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. São necessários mais estudos para pesar as consequências das alterações no habitat causadas pelo homem na biodiversidade. No cenário atual de grande produção de resíduos, é fundamental tomar decisões informadas e formular melhores políticas de gestão de resíduos, que integrem a conservação da biodiversidade.